Materializado por: Natália Pavlinscenkyte 20 setembro 2012


- Logo após o assassinato de Abel por Caim, e em seguida seu exílio para a “Terra de Nod”, Caim teve como sua única aliada, se é correto dizermos desta forma, a que para muitos foi a primeira esposa de Adão, Lilith. Ela, apesar de ser mortal, fez o que pode para esconder Caim dos anjos Uriel, Rafael, e Miguel que sempre insistiam para que Caim pedisse perdão a Deus pelos seus pecados, afirmando que este era o único modo de terminar com seu exílio.
     O vampiro que agora aparentava estar mais calmo, deliciava sua taça com aquele liquido vital ainda quente que se encontrava em seu interior. Por hora, deliciava-se também com a cara de pavor estampada no rosto de Urbano.
      Urbano se encontrava sentado em uma mesa de pedra bem desconfortável tendo a sua frente o vampiro em sua ilustre poltrona e dentro dos seus mais belos trajes. Ao seu redor já não se encontrava mais ninguém, os convidados que antes ali estavam já, há muito, haviam partido deixando para trás somente lembranças horríveis na cabeça de Urbano. Muitas dessas lembranças envolviam seus, agora ex, guardas.
- Não é irônico? – Questionou o vampiro demonstrando um leve sorriso. – Aquele que se diz ser tão “poderoso” sobre o mundo em que vivemos, com pequenas diferenças é claro, estar interessado no pedido de perdão de um de seus “filhos”?  Ele estava tão interessado em ouvir este pedido, que enviou os seus melhores anjos simplesmente para tentarem pressioná-lo um pouco mais. – O vampiro dizia isso com um certo ar de indignação, como se o que acabara de contar ferisse diretamente o seu ego.
- Mas... Deus ama a todos nós... O que na verdade Ele queria era que... Que... – Começara e dizer Urbano timidamente.
- Cale-se verme! Eu sei exatamente o que “Ele” queria! Ele queria que Caim se curvasse para se tornar mais um cavalo cego e selado pastando pelo lindo mundo criado por Deus. Que vá para o inferno aquele tirano!  Não sei até hoje como Ele pode ser tão “adorado”, atualmente o clero está derramando mais sangue que todos os clãs juntos! – O vampiro havia retornado ao seu estado de fúria enquanto dizia aquelas palavras e olhava fixamente no rosto de pavor de Urbano.
- O-O clero só mata aqueles que... – Por mais que tentasse Urbano não conseguia parar de gaguejar frente ao pavor.
- Se você ousar abrir essa sua boca mais uma vez seu humano medíocre eu juro que não terá mais uma vida para dar as suas palavras.
     As palavras do vampiro foram ditas tão friamente que Urbano calou-se sem hesitação, ele simplesmente abaixou a cabeça e esperou pelo o que viria.
- Olhe em minha direção quando falo com você, verme! – Disse o vampiro retomando seu raciocínio. – Sei muito bem o que ia me dizer... Ia me dizer que o clero somente mata e puni aqueles que se opõem a “verdade” de Deus, não é mesmo? Não se esqueça de que apesar de toda a “bondade” do seu Deus, somente existo hoje graças ao Grande Dilúvio, no qual Deus puniu a todos banhando todo o mundo que hoje conhecemos em um profundo e infinito oceano.
     Urbano escutava aquilo calado, enquanto ao mesmo tempo não entendia o que o vampiro estava querendo dizer ao mencionar a história de Noé.
- Sim, o motivo real do Grande Dilúvio era na verdade uma forma que Deus encontrou em punir Caim mais uma vez, porém desta vez queria punir também as novas Crianças da Noite que ele havia criado. Acredito que deve ter sido muito difícil para Caim, que estava sozinho naquele seu “estado”, permanecer assim por muito tempo. Era claro que assim que Caim encontrasse a primeira cidade após a sua longa e miserável caminhada ele, além de estar faminto, iria também querer companhia.
     O vampiro notara agora que seu cálice estava vazio e isso pareceu ter deixado ele um tanto triste. Após analisar o cálice mais uma vez, certificando se realmente não havia mais nada lá, ele finalmente disse com um longo suspiro:
- Que pena, não irei encontrar tão fácil um sangue puro como o daquela moça do seu convento, pelo menos ela lhe deve ter sido muito valorosa. Não é todo dia que bebemos o sangue de uma pessoa que, por mais “fiel” que a pessoa diga ser, ela muda totalmente de espírito em frente ao pavor, morre acreditando que Deus ira leva-la a um lugar melhor.
     Urbano não estava chocado pelo fato de que naquele cálice havia sangue a pouco, mas sim com a confirmação de que uma de suas freiras, das quais muitas andam sumindo misteriosamente sem deixar qualquer vestígio, fora morta de forma tão violenta simplesmente para satisfazer as necessidades de sangue daquela criatura. Urbano começava a se pergunta quantas já haviam sido mortas até então.
- Terei que ser mais breve caso queira manter você vivo, nunca se sabe o que pode acontecer quando a “besta” passa a controlar o nosso corpo, principalmente quando estamos com fome.
     A medida que o vampiro dizia aquilo ficava cada vez mais claro a alegria expressada em seu rosto por ver ali sentado diante dele, em tremendo pavor e totalmente impotência, a pessoa que nada mais nada menos era a dita mais importante de todo o clero.
- Fiquei tão empolgado pensando no meu rebanho que esqueci onde paramos... – Disse o vampiro olhando para uma direção sombria da sala. – Ah, acabo de me lembrar... Após o Grande Dilúvio, Caim preferiu se esconder de todos, principalmente de seus “netos” temendo uma punição ainda mais severa de Deus. Porém essa atitude fez com que a Terceira Geração, dos quais chamamos de Antidiluvianos devido ao fato de terem sobrevivido ao Dilúvio, assassinasse toda a Segunda Geração, por isso digo que sou grato ao Grande Dilúvio. Acredito que se essa medida não fosse tomada a Segunda Geração iria cair em pavor como Caim e, sendo assim, iram parar de continuar gerando novas crianças da noite.
     Apesar de tudo aquilo parecer loucura, fazia sentido e era exatamente por isso que Urbano estava tão amedrontado, afinal se é verdade Deus vem tentando combate-los desde então e isso só poderia dizer que ele, um simples humano, mesmo tendo consigo o título mais alto do clero, não seria capaz de enfrenta-los.
- Acalme-se Urbano, o cheiro de pavor vindo de você está me deixando enjoado... - Disse o vampiro zombando de toda aquela situação.
- Como é de se imaginar a Primeira Cidade fora destruída devido ao Dilúvio, porém não demorou muito para que uma Segunda Cidade fosse erguida e os submissos mortais nada puderam fazer a não ser aceitar os Antediluvianos como seus reis. Não demorou muito para que a guerra por sangue começasse fazendo com que novas crianças da noite fossem criadas simplesmente para guerrearem entre si, o que levou muito tempo para fazer com que a Segunda Cidade fosse destruída. Muitos dizem que talvez esse seja o marco de inicio da Jyhad, a atual guerra de ideias que nós vampiros enfrentamos até hoje, porém nada é certo afinal não se encontra um Antediluviano com frequência para poder esclarecer isso além do fato de que, acredito eu, que mesmo eles estando entre nós eles não iriam querer se revelar.
     O vampiro agora estava a caminho da janela, como se estivesse em busca de um pouco de ar fresco o que Urbano sabia que não era verdade.  Por uma curta fração de segundos Urbano pode sentir certo ar de decepção vinda do vampiro.
- Sim caro Urbano, não fico muito contente com essa história. Acredito que a Jyhad nada mais é que uma briga mesquinha entre alguns membros em busca de poder, o que eu acho ridículo.  – O vampiro dizia essas palavras com um tom pesado em sua voz.
     Porém sua voz logo mudou de tom novamente, voltando a ter seu ar de superioridade.
- Sou um dos poucos vampiros que acredita que unidos podemos ser muito mais fortes e dominar a sua raça sem pudor, obrigando cada um de vocês a nos servirem, não só como alimento, mas também por diversão.  Por isso reúno todos os representantes, para tentarmos resolver esse dilema. Devo confessar que até hoje isso nunca deu certo, sempre tem algum lado que quer sair melhor que os outros. Mas isso não interessa a um verme como você.
     Urbano estava pálido, praticamente sem vida, por ouvi da boca de uma criatura tão pavorosa o seu terrível plano de dominar toda a humanidade. Ele não sabia se preferia viver para presenciar aquilo, o que até então parecia ser algo inevitável de se impedir, ou simplesmente pedir para que o vampiro o matasse de imediato.
- Mais uma vez Urbano, acalme-se... Não acredita mesmo que eu te falei tudo isso simplesmente por querer alguém para me escutar não é mesmo? Nós já governamos antes, e já interferimos diretamente em muitos dos fatos históricos da humanidade, sim chegamos até mesmo a sermos vistos como deuses em alguns desses períodos.  Porém todos eles envolvem guerras já que, como já disse possuímos essas terríveis rivalidades a grande diferença é que usamos vocês, o nosso rebanho, como peões nessa guerra, não mais nos atacamos, não diretamente, preferimos ver nossos semelhantes serem obrigados a fugir com medo de não ter mais recursos para se manter ali, afinal um bom rebanho precisa de comida, água ... E Sem um rebanho os vampiros simplesmente padecem.
- Você só pode estar brincando... – Disse por fim Urbano, se arrependendo de suas palavras.
-Cale-se verme! – Disse o vampiro furioso saltando sobre Urbano como um lobo logo após encurralar sua presa.
     O vampiro agora dizia suas palavras olhando diretamente nos olhos de Urbano, olhos tão aterrorizando quanto de um demônio sedento por morte. O vampiro parecia sussurrar, por um tempo Urbano passou a acreditar que o vampiro falava com ele diretamente na sua cabeça, pois não consiga nem mesmo ver a boca do vampiro se mexer para dizer tais coisas.
- Nós estamos aqui há muitos anos e não será você que ira atrapalhar isso.  Não se preocupe, não sou louco, não o suficiente, para querer ver a destruição da humanidade, afinal sem ela eu não posso me manter aqui. O motivo de você estar aqui hoje é que, após muitas lutas entre nós e o clero, o que vem se arrastando antes mesmo da Revolução Anarquista, terá que chegar ao fim. Nós iremos precisar nos juntar para que todos nós, vampiros e humanos, possamos nos manter aqui. Já perdi a conta de quantos, assim como você, entraram nessa sala acreditando ser o próprio Deus e saírem gritando como um cachorro sarnento com o rabo entre as patas, porém meu caro Urbano você assumiu o seu posto em uma época ruim. Nunca precisamos de vocês para nada, esse era o motivo de deixar as coisas como estavam, mas as coisas mudaram e você terá que usar seu alto título no clero para nos unirmos.
     Urbano ainda pálido e em estado de choque devido ao ataque que levará, não conseguia tirar os olhos daquela imagem aterrorizante que era ter o vampiro colado em seu rosto.
- M-Mas o q-que vocês querem da Igreja? – Disse Urbano prestes a desmaiar...
-Isso você saberá em breve meu caro... – Disse o vampiro soltando um sorriso macabro, levando Urbano a desmaiar em frente ao pavor.

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